<body>

sexta-feira, junho 08, 2007

PERIPÉCIAS DE UM INDEPENDENTE NOVATO

CRÓNICAS

Chega a geladeira. Uma geladeira simples, mas nova e bonita. É minha. E o que, apesar de não ser, me parece muito sensacional: funciona.

Mas o que há de sensacional, mesmo, é poder guardar o que eu quiser dentro da geladeira. Não que antes não pudesse. Mas não tinha o mesmo prazer, e nem a mesma sensação de liberdade. Além do mais, é bastante confortante ter a certeza de que o que eu coloquei na geladeira no dia seguinte continuará lá, com o mesmo volume, e sem o famoso "rasgo no cantinho da embalagem" pra o dono não perceber.

E não bastasse ter o pleno e prerrogado direito de colocar dentro dela o que eu quiser - dentro da geladeira, seus maldosos - também posso tirar de dentro dela o que eu não quiser. Olha que fantástico...

Passam as horas, e eu me pego, minutos antes de dormir, a me maravilhar com uma pia de cozinha. Uma pia simples, relativamente pequena, e até razoavelmente velha. Mas é que é uma pia para chamar de minha. Nela posso fazer a meleira que eu quiser, e limpar - ou não - também do jeito que eu quiser.

Opa! limpar... palavra mágica essa... Lógico que para este segundo desejo, vou ter que contar com a ajuda da super-heroína, defensora dos preguiçosos e não-oprimidos: a diarista.

E chega o dia seguinte. E enfim, ela chega (a diarista). Conforme combinado, naquele sábado sem a menor cara de dia-de-acordar-cedo, ela chega às sete. Não em ponto - um pouco depois, porque eu não consegui acordar a tempo de fazê-la cumprir com o compromisso que ela firmou com ela mesma. E já chega resmungando que tem meia hora que tá lá batendo na porta e me ligando, e eu nada de acordar - o que me faz presumir que chegou antes das sete.

"- Chegar cedo que é pra imbora mais cêdo tomém" - parafraseia, com uma certa sabedoria. Isso depois de ter dado a típica risadinha de canto de boca que vem junto com o laudo da primeira análise do apartamento:

"- limpinho, né..."

Pois bem. Mal chega, e põe logo a mão na massa, com uma certa pressa e autoridade. Contrariando a orientação mal dada de um indivíduo que não acordou direito - e vale ressaltar, não entende nada-de-porra-nenhuma - ela começa pelo banheiro.

E lá está ela no banheiro. Enquanto ela gasta metade do litro de Q'boa (meu Deus, será que precisava disso tudo?) pra fazer aquela mágica de desinfectar e aromatizar aquele fim de mundo, cenário dos filmes de jigsaw, desço para a portaria pra angariar meu gás de cozinha.

E lá vou eu para a portaria. Como uma novidade, meio que usufruindo dos novos e inimaginados serviços que um porteiro poderia fazer, decido avisá-lo que é pra me avisar quando o rapaz do gás passar. Afinal de contas, acabei descobrindo que, não sei por que diabos, comprei um fogão sem ter bujão de gás. E acabei comprovando, na prática, aquilo que eu já imaginava na teoria: fogão sem gás não passa de um elefante branco.

Enquanto o gás não chega, subo novamente. Decido observar o serviço (já que fiscalizar não seria o termo mais adequado para quem não entende do assunto). Mas num piscar de olhos, me pego deitado novamente na minha cama, em estado de transe matinal.

Cenas depois, acordo com um barulho de campainha. "Deve ser o gás!" - Penso numa velocidade incrível. Com medo do cara do gás desistir e eu passar o meu fim de semana sem poder fazer comida, pulo da cama com a mesma velocidade com que concluo, e saio correndo para abrir a porta antes que o moço do gás desista. O problema é que o raciocínio sobre se o serviço do banheiro já teria terminado, e ela já estaria lavando a sala, só vem na hora da queda. Uma queda tão feia, aliás, que sou incapaz de entender a posição com que eu mesmo caí no chão...

Mas pra amenizar a situação, ela não riu da minha queda. Ao contrário disso, fez cara de assustada, como que fosse um consolo. E eu digo viu... Doeu pra cacete. E eu ainda tinha que mancar rápido antes que o gás fosse embora...

Depois de ter barganhado um bujão com aquele ar fingido de quem entende de preço de bujão, coloco-o na cozinha, ao lado do fogão. "Missão cumprida..." - penso eu, com a tranquilidade de um inocente. Aproveito o ensejo e comento com a combatente dos males do lar:

- Olha, aqui só tem feijoada em lata, farinha e um arroz que eu vou cozinhar daqui a pouco. Tem problema pra você?
- Tem problema não senhor. Eu só não como macarrão...

(pausa)

- ... E nem veneno - Complementa, com a mesma satírica risadinha de canto da boca de sempre.

Pois bem. Aí vem que eu decido me preparar para ir fazer o arroz, e conectar logo o gás no fogão, quando percebo que o fogão NÃO TEM MANGUEIRA.

"- Que absurdo isso! Como não vem mangueira no fogão?" - Comento eu, enquanto tento entender o porquê de até mesmo os radinhos made-in-taiwan já estarem vindo com bateria alcalina, e um fogão da Consul não vir com mangueira.

- "Tem que comprar o rezistro. E eu acho melhó o senhor comprá lá na sete porta porque aqui imbaixo vai ser uma fortuna." - comenta com experiência.

E lá vou eu lá pra "sete porta", comprar o tal do "rezistro", que já vem com a mangueira, pra finalmente ligar o bendito fogão. E aproveitar pra comprar amaciante de roupa, porque além de machucadas, as roupas que eu andava vestindo já pareciam mais ásperas.

Enfim, uma hora depois, chego eu com o bendito registro do bujão, amaciante, sal e óleo, enquanto ela já está passando a roupa. Coloco a mangueira no fogão, testo-o e comento:

- Agora sim esse arroz sai! - brado eu com certa autoridade e arrogância, enquanto vou abrindo o pacote de arroz. Quando, de repente, percebo que comprei arroz integral pensando que fosse branco. ARROZ INTEGRAL!!! Quem merece arroz integral?

- O sinhô ainda tem muita coisa prá aprendê... - Comenta ela, com a mesma risadinha de canto de boca de sempre.

Mas eu não me repreendo por causa do comentário dela. E persisto em frente cozinhando meu arroz integral, com a autoridade de quem já fez arroz antes.

- O sinhôr sabe fazê arroz sem virar papa?
- Lógico! - respondo mexendo aquela mistura de água, arroz integral, sal e óleo com uma mão, enquanto a outra, com uma bucha, tenta limpar a meleira de óleo de soja que fiz na pia quando tentava abrir a embalagem.
- É só escorrer na hora certa! - complemento.
- Mas o sinhôr vai ter que secar a água na panela... - comenta ela, meio que colocando pólvora na situação.
- Mas aí sim é que vai virar papa! - defendo-me de prontidão, quando recebo a ultima cartada da cozinha:
- E como é que o sinhôr vai escorrer então?

Cheque-mate.

Mais uma vez ela me pegou. Ela ou aquela risadinha de canto de boca, eu já não sei mais quem das duas.

Eu não tinha escorredor. Como é que ia fazer arroz sem ter escorredor?

- Ô menina, você fica aí só de lado olhando pra mim e dando risada né????